O animal que sabe

O animal que sabe

O animal que sabe

A diferença entre os homens e os animais citada em livros didáticos na formação escolar, é a capacidade de pensar. As características evolutivas do gênero Homo, segundo Darwin (Homo erectus, Homo habilis etc.) é a capacidade bípede, a qual permite, simultaneamente, correr e fazer uso dos membros superiores. Como exemplo, correr e manipular objetos (lança) em uma caçada. Entretanto, “Homo Sapiens Sapiens” (“homem que sabe sabe”) que é uma subespécie, inaugura um modo de pensar e se comunicar. E este é o homem moderno.

Skinner, com sua linha de pensamento behaviorista, afirma que o homem tinha a capacidade de se moldar através do objeto, ou seja, o ambiente controlava as modificações no comportamento do homem. Contrapondo esta ideia, Heidegger trabalhou em seus livros o conceito: “a pedra é sem mundo, o animal é pobre de mundo e o homem é formador de mundo.” Os sentimentos como dor, medo e angústia, em seu propósito biológico e original, eram ferramentas em prol da sobrevivência do indivíduo, da continuidade de sua espécie, de forma a sensibilizá-lo quando em situação de risco. Já sentimentos como alegria, satisfação e euforia estão associados a conquistas e renovações de vida (como ao abater uma presa após dias de perseguição ou até mesmo em um orgasmo). Com todos esses sentimentos, a essência do viver era regulada e integrada com a natureza, na qual dor, alegria, medo, euforia etc., eram somente parte de sistema biológico, e tanto animais como homens partilhavam desse uso e usufruíam desse conceito para cumprir o propósito da espécie.

Com suas características de apreender e falar, o homem ressignificou esses sentimentos e os qualificou em negativos ou positivos, alterando o propósito de sua espécie. Em consequência disso, ocorreu uma ruptura entre o natural e o racional, entre o corpo e a mente. E com a dissociação do racional, o que era mais agradável passou a ser retido e o desagradável, evitado. Desse modo, foram motivados pensamentos de construção de mundos perfeitos e idealizados e com estados almejados como segurança absoluta, eterno amor, felicidade duradoura e muitos outros.Assim, a intensidade e a duração dos sentimentos foram alteradas e o homem criou esconderijos e forjou cenários para que o negativo ficasse cada vez mais reprimido e recalcado (no início da psicanálise, •• Freud criou conceitos como: “repressão e recalque” e “inconsciente”). Essa alusão à realidade levou a humanidade a travar uma grande luta contra o que era considerado negativo, gerando uma busca utópica (O que significa buscar o inatingível? Quais buscas inatingíveis você procura?).

A Filosofia de Martin Heidegger

Em Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo – finitude – solidão, Heidegger defrontou-se diretamente com o problema de determinação da diferença entre o animal e o homem. Absolutamente avesso à tese tradicional, segundo a qual a racionalidade é a diferença específica do homem, ele tampouco pôde aceitar que esse questionamento fosse pautado em uma teoria da evolução das espécies, justamente por haver diagnosticado que toda teoria desse gênero já pressupõe determinações prévias, tanto do que seja o homem, como também do que seja o animal. A questão sobre se o homem descende ou não dos símios, por exemplo, já pressuporia uma diferença entre eles, ainda que não se proponha a pensá-la. Do mesmo modo, a afirmação de que essa diferença consiste na racionalidade não chega, para Heidegger, a questionar a essência da racionalidade.

A humanidade tem viajado cada vez mais por caminhos tecnologicamente avançados (know-how), porém permanecendo com uma incompletude em sua alma, repleta de frustações e, coloquialmente falando, com um sentimento de falta também inatingível. O ser humano se afasta e inverte o percurso em direção ao natural e estabelece uma nova relação com o corpo e o habitat em que está inserido, rompendo com suas origens primatas/animal e negando que faz parte de uma cadeia alimentar e de um sistema biológico de interdependência, colocando-se como o ser supremo do ecossistema.

O incômodo espaço entre o corpo e a mente, na “concepção psíquica”, não é um espaço onde poderia ser unificado. É entendido como algo que foi removido e, na tentativa de resolver “grande falta”, o corpo disponibiliza parte de sua energia endógena (energia interna do corpo e vital) para esse local. Desse modo, um núcleo energético é formado e metaforicamente falando, funciona como um gerador autônomo, que cria cenários e situações fantasiosas na vida dos indivíduos, com o restrito foco de encontrar uma solução. Entretanto, como não existe uma falta e sim, um espaço, isso não é resolvido com tal mecanismo.

Criam-se repetições que se espalham para vários seguimentos da vida do indivíduo. As contínuas tentativas levam o organismo a disponibilizar cada vez mais energia para o núcleo energético e, consequentemente, falta energia para o indivíduo, afastando-o de seu verdadeiro ser (self). Com o passar do tempo, esse indivíduo não se reconhece mais, pois tem a alucinação que ele é o que o núcleo criou, ou seja, um personagem de uma fantasia. O sujeito perde sua real identidade e pode-se dar a isso o nome de patologia. Pode-se afirmar que os sentimentos (dor, medo, angústia, satisfação, alegria e euforia citados neste texto) com suas atuais alterações de tempo e intensidade, transformam-se em sintomas.

Jean Paul Sartre

Trecho do livro “O ser e o nada” de Jean Paul Sartre

O animal é caracterizado como um ser-aberto, por ser-aberto no seu interagir [Benehmen] e a isso chamamos de círculo envoltório. O animal carece da capacidade de apreender, como um ente, aquilo para que ele está aberto. Todavia, […] ao homem pertence um ser-aberto… que se configura de tal modo, que este ser-aberto… tem o caráter do apreender algo como algo. A este modo de ligar-se ao ente denominamos comportamento [Verhalten], distinguindo-o do interagir dos animais.

A respeito do homem moderno, não é possível afirmar que este perdeu sua identidade, mas pode-se conjecturar que esses fatos alteraram o seu propósito e a sua essência. Seria simples demais atribuirmos aos fatos discutidos acima, a responsabilidade pela escolha dos caminhos e situações de nossas vidas. Porém o sujeito, no caso humano, tem e pode ser diferente das características de nossa espécie. Esta é uma singularidade humana, a capacidade do sujeito de estabelecer o seu próprio propósito e não seguir o propósito de sua espécie. Considerando que o fator predisponente para constituição do sujeito, dentro de várias vertentes, é a sua saúde psíquica e nesta está a integração entre o sentimento e o racional, pode-se entender que não falta algo para preencher um espaço, o que falta é o pessoal e individual ato de auto-olhar para si, dissipar as fantasias (núcleo) e se integrar ao verdadeiro eu (self) (processo de individuação de Yung) -e quanta energia sobraria? E o que poderíamos fazer?. Temos a arrogância de nos julgarmos a melhor e mais evoluída espécie do mundo, mas não temos a coragem de dominarmos as nossas próprias patologias e sermos parte do planeta.

Carl Jung

Processo de individuação segundo Carl Jung

Processo de individuação segundo Carl Jung

A individuação e a própria identidade de alguém, que é separada de qualquer outro indivíduo, desenvolve-se por meio do processo de individuação. A individuação é contínua e pode ser considerada um objetivo e um processo ao longo da vida. Carl Jung defendeu a individuação como uma importante meta para a vida. Na psicologia junguiana, a individuação descreve um processo de autorrealização – a descoberta do propósito de vida de alguém ou o que se acredita ser o significado da vida, por exemplo. De acordo com a psicologia junguiana, quando os indivíduos perdem o contato com certos aspectos de si mesmos, podem ser capazes de reintegrar esses aspectos de sua natureza pela individuação. Como a individuação contribui para a diferenciação e a forma da psique individual, aqueles que não experimentam dificuldades com o processo contínuo de individuação podem achar mais fácil manter o bem-estar mental e emocional. É preciso aprender a lidar com o negativo da mesma maneira que lidamos com o positivo. Isso é uma construção e deve ser uma meta. O autoconhecimento é a peça fundamental para a solução desse problema. A individuação busca estimular o indivíduo a despertar o melhor de si e do outro, tirando-o do isolamento e estimulando o outro a empreender uma convivência coletiva maior e saudável. Assim como o corpo precisa de alimento para ser mantido e se desenvolver, a personalidade também precisa de experiências adequadas para individuar-se.

Ensaios e Psicanálise

Retornando à humanidade, o Homo sapiens sapiens é prisioneiro de uma fantasia de falta e iludido num propósito de vida gerado por uma patologia de espécie.

O “homem que sabe sabe” não sabe que vive numa fantasia e, com sua arrogância, acha que sabe fazer o mundo e, ao fazê-lo, o destrói.

De alguma forma, há vários séculos, conceitos filosóficos e religiosos vêm reforçando a ideia entre o bem e mal (certo e errado) e vêm navegando na fantasia humana de uma busca por algo ideal. A cada geração, os pais têm em seu imaginário uma vida glamourosa e feliz para seus filhos. Essa esperança familiar, cada vez mais presente, tem intuito de aniquilar as frustações. Mas a verdade é que provoca frustações mais severas e com consequências danosas (vide informações da OMS).

Resumindo, como não foi possível para os pais viverem em um mundo de fantasia (todo BOM), e sim, no mundo real (BOM e MAU), que pelo menos os filhos possam viver nesse mundo idealizado.

É possível afirmar que este é um exemplo de negação da ancestralidade e é uma neurose familiar da espécie Homo Sapiens, a qual tem sido passada de pais para filhos. A vivência desta realidade fantasiosa afasta o que é natural do ser e também o afasta da natureza. Cada vez mais temos indivíduos, cujos pensamentos e sentimentos não estão integrados ao próprio corpo (natural) e a natureza (sistema). Ao se estabelecer um melhor caminho ao nosso “self”, os filhos podem inverter esta neurose e transformá-la em esperança para uma humanidade melhor e mais ética. E por que não nos permitir alucinar, e chamarmos isso de uma evolução?

Como um dos exemplos de movimentos em prol do ideal “BOM”, pode-se citar a “psicologia positiva”, que ganha força, pois serve como alimento à fantasia (patologia) das pessoas. Podendo ser verificada em cada segmento do nosso cotidiano como no marketing e nas propagandas, nas aplicações de recursos humanos, nos livros de autoajuda e nas terapias paliativas.

Organização Mundial da Saúde

NOTA: Ao longo da vida, uma em cada 10 pessoas precisará de cuidados com a saúde mental. Nos últimos 10 anos, os casos de depressão no mundo aumentaram 18%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que, até 2020, essa será a doença mais incapacitante do planeta. Outros exemplos de enfermidades ligadas à saúde mental são ansiedade, mal-estar psicológico ou estresse continuado, atraso mental, compulsões e perturbações psicóticas, como a esquizofrenia.

Processo de individuação

Adicionalmente, pode ser associada também aos vícios e ao consumo de drogas, sejam elas, ilícitas, farmacêuticas, ou até mesmo, nos agrotóxicos em nossa alimentação, pois essas também vêm aliviar a dor ou desconforto, removendo a chance de a pessoa achar seu caminho.

O conceito de “formação reativa”, nos “três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, em 1905, de     Freud, pode ser atribuído à humanidade, quando a alucinação de um mundo perfeito ou de uma vida só de prazeres se estabelece como numa formação reativa, em que esta se afasta de seus verdadeiros propósitos. Analogamente, pode-se compará-la à condição de saúde “câncer”, que simploriamente podemos caracterizar como uma célula que se diferencia e fica estranha ao órgão, causando danos ao sistema. O homem se modifica e se diferencia e o efeito colateral é visto nas doenças corporais (Winnicot, em seu livro “Natureza Humana”, descreve esse efeito como somatizações, soma=corpo) e nas doenças psíquicas (exemplo: depressão).

Mas seria uma alucinação atribuir ao sentimento ou até mesmo à espécie Homo sapiens a responsabilidade pela geração de fantasias e da libido presa corporalmente. Nos animais, seria simples de entender, pois têm como propósito de trajetória viver e morrer, sobreviver para reproduzir e dar continuidade à espécie.

A eles, pode-se atribuir o termo instinto, que se expressa em ações como acasalar, buscar alimentos, construir ninhos, lutar, fugir, entre outros. O termo instinto, para o homem, perde o sentindo, quando não encontramos um propósito e uma essência definida. Então, •• Freud o renomeou como “Trieb”, que em português é traduzido como “Pulsão”. E esta gera movimentação na vida do indivíduo, porém não com um propósito definido, como nos animais, pois ele se configura individualmente, estabelecendo a grande diferença entre homens e animais.

Mas se o propósito é diferente, qual o propósito do ser humano? Se somos da mesma espécie, como podemos ter propósitos únicos para cada indivíduo? O que cada indivíduo quer (Você quer?)? Pode-se obter tudo que se quer? Você necessita de tudo o que quer?

Perguntas reflexivas, com respostas infinitas, para as quais cada um, “você”, deve achar sua resposta. Mas pode-se extrair um fator comum a todas elas: a busca pelo prazer! O sentir perde a prioridade quando se entende que o prazer rege o caminho do nosso propósito.

“Se” o entendimento for o prazer como um propósito, cada indivíduo estabelecerá um desejo singular para atingi-lo. E ficam as perguntas:

Os desejos e prazeres de sua vida, não seriam os substitutos do prazer sexual (genital)? Necessidades e reponsabilidades sociais não são sacrificadas em prol de satisfação/prazer individual momentânea?

Os animais, seres que não criam o mundo (referência ao conceito de Heidegger, apresentado nos parágrafos iniciais deste artigo), conseguem conter seus prazeres incontroláveis.

O sentir estabelece o limite para o prazer infinito e o limite está a favor da vida. O “não sentir”, seja ele considerado bom ou mau, é a inversão da continuidade da espécie e leva, aos poucos, à destruição do indivíduo (Você) e à destruição do meio ambiente (Homem que sabe sabe).

Ensaios e Psicanálise

Nota: A psicologia positiva é um movimento recente dentro da ciência psicológica, que visa fazer com que os psicólogos contemporâneos adotem “uma visão mais aberta e apreciativa dos potenciais, das motivações e das capacidades humanas” (Fonte: Sheldon & King, 2001, p. 216), enfatizando mais a busca pela felicidade humana que o estudo das doenças mentais.

Freud

ENERGIA

Processo de individuação segundo Carl Jung

Freud escreve o projeto na tentativa de gerar uma explicação científica para a comunidade médica. Porém, mesmo abandonando este texto, cria conceitos importantes para a psicanálise. Chama a energia de libido. E a repressão desta libido provoca recalques e repetições com o objetivo de liberar a energia. Baseado neste conceito, Willian Reich desenvolve o conceito de couraça, de acordo com o qual, dependendo de como e quando esta energia é retida, ela gera determinado posicionamento no corpo. Reich chama esta energia de “orgone”. Mas a grande contribuição deste conceito, tanto de Freud quanto de Reich é demostrar que as emoções são liberadoras de energia. (livro Função do Orgasmo)

Complexo de Édipo

Trecho do livro de Laplanche e Pontalis (1992)

Conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. Sob a sua forma dita positiva, o complexo apresenta-se como na história de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é a personagem do mesmo sexo e desejo sexual pela personagem do sexo oposto. Sob a sua forma negativa, apresenta-se de modo inverso: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódio ciumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, essas duas formas encontram-se em graus diversos na chamada forma completa do complexo de Édipo. Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no período de latência. É revivido na puberdade e é superado com maior ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele é o principal eixo de referência da psicopatologia.

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